Sistema de transmissão para motores automotivos

YouTube player

Embora alguns motores tenham à disposição excelentes torque e potência, a exigência no qual o veículo sofrerá durante o uso é variável. Nem sempre um automóvel terá estrada plana para manter velocidade ou ter aceleração plena, haverá situações nas quais ou o torque deverá ser mais significativo, ou a potência deverá ser mais presente. Além disso, um automóvel não se desloca apenas em linha reta, ele deve ser capaz de contornar curvas com desenvoltura e agilidade. Para que essas situações sejam superadas, os automóveis dispõe do Sistema de Transmissão.

Função

O sistema de transmissão atua em diversos momentos do funcionamento do veículo, da partida do motor até o deslocamento daquele. Portanto o sistema deve prover ao veículo um dispositivo para possibilitar a partida do motor, a capacidade de permanecer em parado com o motor em funcionamento, o torque e a rotação ideal para qualquer carga imposta ao veículo durante seu deslocamento e dentro de uma faixa de rotação ideal para que níveis de consumo de combustível e emissão de poluentes sejam aceitáveis.

Sabendo que a potência e o torque produzidos pelo motor são entregues pelo volante do motor, então são necessários componentes que recebam esse torque do motor e o transmita para as rodas motrizes. O sistema de transmissão executa essa função se aproveitando do atrito entre o volante do motor e o disco de embreagem, da redução ou multiplicação do torque motriz através de engrenagens e finalmente, alterando a direção desse torque em 90° para que seja transmitido às rodas. Nesta última ação, o torque sofre sua última redução, para então ser enviado às rodas com as devidas variações de rotação (velocidade).

As rodas motrizes, são aquelas que recebem o torque proveniente da caixa de marchas, este torque é enviado pelo diferencial através de semi-eixos. A definição das rodas motrizes é feita de acordo com a carga e a finalidade do veículo. Basicamente, o sistema de transmissão é acoplado ao motor, e a este conjunto chamamos  de trem de força (Powertrain). O trem de força pode estar alojado na dianteira ou traseira do veículo. Quando na dianteira, o sistema de transmissão não utiliza o eixo de transmissão (eixo cardã, ou simplesmente, cardã), para a transferência de potência às rodas são utilizados semi-eixos. Quando apenas o motor está situado na dianteira, a transmissão de potência é feita pelo eixo de transmissão (eixo cardã).

Componentes

O sistema de transmissão é composto por embreagem, caixa de marchas, diferencial, semi-eixos e juntas homocinéticas, em casos de carros com tração nas quatro rodas ou tração traseira, há a inclusão de caixa de transferência (4×4/AWD) e eixo cardã.

  • Embreagem;
  • Caixa de marchas;
  • Diferencial;
  • Caixa de transferência.

Tipos

O sistemas de transmissão possuem algumas variações de acordo com a aplicação do veículo. De longe os sistemas manuais são os mais comuns. Entretanto, existem outras variações que serão abordadas a seguir:

  • Transmissão manual;
  • Transmissão automatizada;
  • Transmissão automática;
  • Transmissão automática – CVT.

Transmissão manual

O tradicional sistema de transmissão manual é dotado de embreagem e caixa de marchas totalmente manuseáveis. O controle do sistema é feito pelo pedal de embreagem e pela alavanca de câmbio. O acionamento da embreagem é feito por um cabo ligado a embreagem ou um atuador hidráulico, enquanto que a alavanca do câmbio se liga a uma haste de acionamento. Esta haste aciona as luvas, que estão dentro da caixa de marchas e engatam as marchas selecionadas. Os primeiros sistemas de transmissão (manuais) tinham severas dificuldades de mudar as marchas, por conta das velocidades do motor e câmbio que precisam estar sincronizadas. Essa dificuldade foi extinta com a criação do sincronizador, um componente capaz de sincronizar a caixa de marchas à velocidade do motor. Os automóveis para uso civil (carros de passeio, pequenos e médios utilitários), em geral, são dotados de caixas de marchas a partir de cinco marchas a frente e a ré, mas no passado existiram casos de sistemas com três marchas a frente.

Transmissão automatizada

O sistema de transmissão automatizado preserva a caixa de marchas do sistema manual, contudo toda a operação que seria realizada pelo motorista, acionar a embreagem e mudar de marcha, são realizadas por um sistema eletrônico de atuadores. Estes atuadores são eletroválvulas e bombas hidráulicas controladas por uma ECU apenas para o funcionamento do transmissão. Essa ECU recebe informações de sensores como velocidade, pressão do óleo (da caixa), rotação da árvore primária, posição da alavanca de câmbio, além do interruptor de freio e da porta do motorista. Com base nessas e em outras informações, a ECU comanda as eletroválvulas que conduzem o óleo para os atuadores de embreagem e seleção de marchas. Estes, são atuadores que substituem pé e mãos humanas no trabalho de acionar a embreagem e trocar de marchas.

Transmissão automática

Ambas, transmissão automatizada e automática trocam de marchas de forma autônoma e desempenham a mesma função, o controle automático da embreagem e das trocas de marchas. Entretanto há uma diferença crucial entre os dois sistemas. O sistema de transmissão automática é um sistema que trabalha sob carga, não interrompe a propulsão do veículo no momento da troca, algo que não se observa em sistemas manuais e automatizados. A embreagem dá lugar a embreagem hidráulica ou conversor hidrodinâmico de torque. Um componente no qual há um óleo específico, em contato com a bomba e uma turbina. A bomba está ligada ao motor, e transmite o torque deste ao óleo, que ao receber determinada energia, passa a girar a turbina. A turbina está ligada a caixa de mudanças, que recebe a rotação da turbina. As mudanças são realizadas por atuadores hidráulicos, e estes comandados por uma ECU própria.

Transmissão automática – CVT (Continously variable transmission)

A maior característica desse sistema, é a rotação contínua durante o deslocamento do veículo, o motor não sofre interrupção em sua propulsão. É um sistema ainda mais suave em seu funcionamento, em relação ao sistema de automático convencional. Seu princípio se baseia nas infinitas relações obtidas através de polias variáveis, que são capazes de variar seu diâmetro. Essa variação possui um número quase infinito de redução e multiplicação do torque fornecido pelo motor. Basicamente, o sistema de cvt possui duas variações, o sistema de polia variável e o sistema de toroidal. Assim como a transmissão automática tradicional, o sistema cvt também possui conversor de torque e comando eletro-hidráulico da caixa de marchas.

Funcionamento

Os sistemas de transmissão funcionam de diferentes formas, cada sistema possui suas peculiaridades. Contudo, é necessário uma artigo dedicado a cada sistema detalhando o funcionamento de cada um. Abaixo segue a descrição do funcionamento do mais comum tipo de sistema de transmissão, o câmbio manual.

Transmissão manual

Uma vez que o motor começa a funcionar, o torque deste está disponível na extremidade do virabrequim, o componente que recebe esse torque é, primeiramente, o volante do motor. No volante, está acoplado a embreagem. No momento em que o motorista aciona o pedal de embreagem, ele está retirando o disco de embreagem de sua área de contato no volante, neste momento não há transmissão de torque algum para a caixa de mudanças. Quando o motorista desaciona a embreagem, ele está permitindo que o disco de embreagem seja pressionado fortemente contra volante do motor, assim o torque deste é enviado a caixa de marchas. A caixa de marchas possui um conjunto de engrenagens e dois eixos imersos em um óleo específico. Caso o veículo esteja com alguma engrenagem engatada, o torque será transmitido para o diferencial (caso a tração seja traseira, a rotação é primeiro transmitida para o eixo cardã, e deste para o diferencial), deste para os semi-eixos, e finalmente para as rodas as rodas. O veículo, então, tem força para vencer a inércia e se deslocar. No caso da caixa de marchas estar em ponto-morto (nenhuma marcha engatada), o veículo permanecerá parado, mas com o motor girando todas as engrenagem da caixa de marchas. Em qualquer sistema de transmissão, a ordem de transmissão do torque do motor é a seguinte: Embreagem, caixa de marchas, eixo cardã (apenas em carros com tração traseira), diferencial, semi-eixos e rodas.

Posição do trem de força e rodas motrizes

Ao longo dos anos o desenvolvimento da engenharia automobilística chegou a trens de forças menores, pois a configuração tradicional embora fosse robusta, roubava bastante espaço interno da carroceria. Atualmente existem dois tipos sistemas de transmissão manuais, o tradicional (tração traseira ou nas quatro rodas) e o compacto. A criação das transmissão compacta foi decisiva para redução do espaço ocupado pelo powertrain, desde então no cofre do motor é possível instalar todo o conjunto motor e câmbio na posição transversal. Isso possibilitou encurtar o capô, bem como montar o motor em uma posição mais baixa.

A transmissão tradicional, com eixo cardan, não entrou em desuso pois ainda possui bons atributos dinâmicos em relação a transmissão compacta. Por sua vez a transmissão compacta resultou em um powertrain mais barato de ser fabricado, além de mais leve em relação ao sistema tradicional.

A posição do powertrain de um veículo é determinante para seu comportamento dinâmico, essa posição é definida de acordo com o projeto do veículo. Cinco tipos de powertrain são conhecidos atualmente:

  • Motor dianteiro e tração traseira;
  • Motor dianteiro e tração dianteira;
  • Motor central e tração traseira;
  • Motor traseiro e tração traseira;
  • Tração nas quatro rodas.

Motor dianteiro e tração traseira (FR – Front Engine and Rear-wheel drive)

 

Trata-se da configuração convencional do powertrain, o motor está longitudinalmente alojado na dianteira, mas a rotação é transmitida para as rodas traseiras. O ponto positivo dessa configuração, é a facilidade de se obter uma distribuição de peso equilibrada, algo que favorece bastante o comportamento dinâmico do carro. Além disso, as rodas de direção estão livres de tração, o que equilibra o desgaste de pneus e transmite boa sensação ao guiar. Contudo, carros de tração traseira são ariscos em condições de baixa aderência, por exemplo, em superfícies molhadas.

Motor dianteiro e tração dianteira (FF – Front engine and Front wheel drive)

 

É a configuração mais utilizada atualmente, compacta, o motor está disposto transversalmente, tem como vantagem a economia de espaço na carroceria do automóvel. O habitáculo é severamente beneficiado, todo o espaço interno da carroceria é melhor aproveitado. Entretanto, carros “FF” concentram grande parte do seu peso na dianteira, o que colocando uma carga muita alta sobre os pneus dianteiros devido não somente ao sistema de direção, como também o sistema de transmissão. Dessa forma os pneus estão mais expostos à sobrecarga e possuem desgaste mais acentuado na dianteira em relação aos carros “FR”. Em geral, carros com tração dianteira não são os mais adequados para projetos onde o trem de força produz acima 300 cv.

Motor central e tração traseira (MR – Mid-engine and Rear-wheel drive)

Também conhecida como midship, a configuração “MR” é dita central por conta do motor estar localizado entre os eixo traseiro e os assentos do motorista e passageiro. Esta configuração, além de possibilitar uma excelente distribuição de peso, também beneficia o centro de gravidade do carro. Assim, o comportamento dinâmico tende a ser superior em relação aos veículos de configuração FF e FR, os pneus possuem o melhor grip possível em qualquer situação, pois a distribuição de peso é quase equivalente em cada pneu.

Motor traseiro e tração traseira (RR – Rear engine and rear-wheel drive)

É o oposto da configuração FF, ou seja, o powertrain está na traseira e o motor posicionado logo depois do eixo traseiro. Toda a massa do conjunto está sobre o eixo traseiro, o que confere a este uma grande capacidade de tração. Entretanto, a configuração RR é prejudicada devido a concentração do peso na traseira do veículo, que faz a dianteira levantar demais quando em aceleração. Além disso, quando exposto a transferência de carga, o excesso de carga sobre os pneus traseiros e a ausência de carga sobre os pneus dianteiro provoca a perda de tração momentânea resultando em um comportamento imprevisível.

Tração nas quatro rodas (4WD and AWD – Four wheel drive, All wheel drive)

A tração nas quatro rodas é um sistema que teve grande evolução nos anos 80, notadamente por conta do carros que disputavam o famoso Group B do WRC e outras categorias de rali, como o Rally Raid, Dakar. Um sistema de tração não quatro rodas pode ser aplicado em todas configurações citadas acima. Entretanto, existem diferentes sistemas de tração nas quatro rodas.

No sistema tradicional, geralmente chamado de quatro-por-quatro (4X4), o powertrain possui, além da caixa de marcha e diferencial, a caixa de transferência. Geralmente esse sistema é acionado manualmente via alavanca ou por interruptor, neste, atuadores elétricos se encarregam de acoplar o eixo dianteiro a saída de potência. Atualmente já existem veículos 4X4 com acionamento completamente automático.

No sistema 4wd, todas as rodas são rodas motrizes, não importando a distribuição de torque entre elas, essa característica confere ao carro uma grande estabilidade direcional, em detrimento da sua disposição de contornar curvas. A tração e a estabilidade atingem níveis tão altos, que o carro passa a sensação de ser grudados na pista. Nesse sistema existem módulos eletrônicos (ECU) que comandam atuadores capazes de distribuir o torque entre as rodas de acordo com a demanda da situação, e durante o funcionamento do veículo, poupando combustível e o próprio sistema de excessivas solicitações.

Em veículos com sistemas AWD, em geral, operam com tração em um eixo na maior parte do tempo, mas são capazes de detectar momentos de perda de estabilidade ou tração e acionar o segundo eixo trativo para manter o carro em condição segura de operação. Estes sistemas são também chamados de sistemas por demanda (part time all wheel drive). São mais baratos e simples de projetar, motivo pelo qual são muito utilizados em SUV, sedãs, e hatches médios.

Principais defeitos

O sistema de transmissão é desenvolvido para ser tão, ou mais, robusto que o motor do automóvel. Não é raro observar carros com mais de três anos de uso, em que a caixa de marchas nunca foi aberta, e tão pouco apresenta sinais de que será necessário algum reparo. O sistema de transmissão é sim, muito robusto, mas não inerente a problemas. Os principais problemas do sistema de transmissão são ruídos, folgas, trancos e marchas com dificuldade de engate.

No sistema de transmissão, a peça mais frágil é o disco de embreagem e trata-se de uma peça de manutenção preventiva. Embora esta seja muito resistente, basta uma de suas molas quebrar, para que o sistema apresente uma vibração ao arrancar com o veículo.

O princípio base do funcionamento do sistema de transmissão, é a relação entre as engrenagens, contudo estas não podem funcionar a seco, ou se degastariam rapidamente. O óleo do câmbio é um fluído utilizado para lubrificar e conferir uma longa vida útil as engrenagens. Entretanto, o permanente contato entre elas as desgastam, o que as fazem soltar pequenas limalhas de aço que ficam retidas no óleo. Esse desgaste, com o tempo de uso, passa gerar um ruído na caixa de marchas, ruído popularmente chamado de “roncado”.

Contudo, este ruído pode não ser apenas desgaste natural, pode também ser consequência de folgas entre pinhão e coroa do diferencial ou um vazamento de óleo, que já expôs os componentes a níveis críticos.

Todo o trem de força é suportado por coxins, bases de borracha e metal que sustentam e controlam as vibrações do powertrain. A borracha tem prazo de validade, e quando expirado, perde sua característica elástica, o trem de força passa a vibrar excessivamente. No momento em que acionamos a embreagem para arrancar ou trocar uma marcha, a transferência de torque do motor para o câmbio perde seu suporte, vibra ou dá trancos como se estivesse com folgas.

Dificuldade de engrenamento também fazem parte do cotidiano das oficinas, na grande maioria dos casos, a causa-raiz do problema são peças de menor resistência, que impedem que componentes mais caros se desgastem. Uma delas são as buchas do trambulador, responsáveis por transmitir o movimento da alavanca do câmbio para os acionadores da caixa de marchas, mas evitando o contato metal-metal e consequentemente o desgaste excessivo. Entretanto, as buchas do trambulador avisam aos poucos quando estão no fim de sua vida útil, as marchas passam a ter uma resistência maior para serem engatadas, e em casos extremos, perde-se o total controle da caixa de marchas.

Referência

  • A. CROLA, David, Automotive Engineering Powertrain, Chassis System and Vehicle Body, Oxford, Elsevier, 2009. 835p;
  • GENTA, Giancarlo, MORELLO, Lorenzo, The Automotive Chassis Volume 1 Components Design, Torino, Editora Springer, 2009. 633p;
  • HEISSING, Bernd, ERSOY, Metin. Chassis Handbook – Fundamentals, Driving Dynamics, Components, Mechatronics, Perspectives, Germany, Vieweg+Teubner, 2011. 591p;
  • STONE, Richard and K. BALLl, Jeffrey, “Automotive Engineering Fundamentals”, Society of Automotive Engineers, 2004;
  • GILLESPIE, Thomas D, Fundamentals of Vehicle Dynamics, Warrendale, Society of Automotive Engineers, 1992. 470p.