A arte de dirirgir – Gerenciando a carga sobre os pneus

Não importa, se você acabou de sair da auto-escola, se você é um motorista veterano, se você trabalha o dia inteiro dirigindo, se é piloto amador ou profissional, se é apenas um motorista que dirige por necessidade, você deve saber como seu carro se comporta. Quem nunca se acidentou ou perdeu o controle do carro de forma misteriosa mesmo com o veículo em excelentes condições ? Agora você vai entender como o carro interage com o meio, e como você deve dirigi-lo. O começo de todo esse universo de teorias que existem para guiar um automóvel começa pelos pneus. Caso você não tenha percebido, apenas os pneus estão em contato com o solo, ou seja, um carro possui quatro pontos de contato e apoio com o solo. Os pneus suportam todo o peso do veículo, e a este peso sobre os pneus denominamos carga.

Freada com força total. Perceba que grande parte da carga está sobre os pneus dianteiros. Os pneus traseiros perdem carga, e consequentemente o grip tendendo a travarem. Foto: http://moveoverracing.ca

A carga na qual os pneus suportam não é constante, ela varia. Aliás, quando o veículo está em movimento, ela varia sempre. Qualquer movimento do volante, aceleração ou frenagem provoca uma perturbação na carga sobre os pneus. Basicamente, ao acelerar a carga será maior sobre os pneus traseiros, e ao frear a carga será maior sobre os pneus dianteiros. Isso é fácil de perceber. Ao acelerar um veículo a dianteira sobe, indicando que a carga se deslocou para traseira do veículo, e ao frear percebe-se que a dianteira do veículo abaixa, indicando que a carga se deslocou para a dianteira do veiculo. Essa variação de carga também age em mudanças de direção do veículo. Ao fazer uma curva, a carga do veículo concentra-se no lado externo da curva, ou seja, ao realizar uma curva a direita a carga sobre os pneus irá se concentrar nos pneus do lado esquerdo e vice e versa.

No entanto, com toda essa variação de carga sobre os pneus, algo deve segura-los no solo. Essa aderência do pneus com o solo é chamada Grip. O grip é a força com a qual os pneus agarram o solo prevenindo sua derrapagem. A variação do grip se deve a condições da superfície, as condições do próprios pneus e as variações de carga.

Nesta situação é nítida a concentração de carga sobre os pneus do lado esquerdo. Os pneus dianteiros perdem carga, e consequentemente o grip. Foto: .s2ki.com

Em dias chuvosos o grip dos pneus é severamente reduzido devido ao coeficiente de atrito entre asfalto e pneu ser também reduzido. Isto faz os pneus atingirem o limite de grip rapidamente e derraparem. Pneus desgastados também reduzem o grip com o asfalto e tendem a derrapar com mais facilidade, pois simplesmente a banda de rodagem já chegou a níveis de desgaste em que não se garante mais o grip ideal. Embora os dois fatores acima sejam importantes, a variação de carga sobre os pneus também pode reduzir consideravelmente o grip sobre eles. Como mencionado nos parágrafos anteriores, ao acelerar, a carga do veículo direciona-se para traseira, ao frear, a carga do veículo direciona-se para dianteira e ao realizar uma curva, a carga do veículo direciona-se para o lado do veículo oposto a curva. Nessas situações percebe-se que existe uma grande concentração de carga em determinados pneus, e um grande alívio de carga sobre os outros. Os pneus que perderam carga, também perderam parte do grip, e estão muito mais expostos a derrapagem.

É importante entender que o grip é único para todo e qualquer movimento do pneu. Cada pneu toca o solo em apenas um ponto, este ponto de contato é que agarra o solo e faz o carro se movimentar para frente, para trás e para os lados. Portanto, o grip do pneu em movimentos para frente e para trás é afetado pelos atos de acelerar e frear ou reduzir a velocidade, enquanto que o grip para o lados é afetado pelo movimento da direção enquanto se esterça o carro. No entanto, o grip que faz o veículo esterçar, acelerar e frear é exatamente o mesmo. O pneu possui um determinado grip, e ele é único para cargas de qualquer direção e sentido que estejam sendo aplicadas a ele. Fica fácil concluir agora que ao frear com força total, todo o grip dos pneus está sendo utilizado para parar o veículo. Caso tenha que ser feita alguma correção na trajetória, o veículo certamente não conseguirá seguir a trajetória desejada, bem como não conseguirá parar no espaço desejado. O grip foi todo utilizado na frenagem, e ao virar o volante para mudar de trajetória do veículo os pneus não teriam grip suficiente para executar o desvio e parar ao mesmo tempo.

Então vamos imaginar um círculo, e dentro dele um pneu visto de cima e dois eixos cortando o pneu em seu ponto médio longitudinal e transversal. Exatamente como na foto abaixo:

Este círculo é chamado Círculo de Fricção, e demonstra claramente as variações de grip que ocorrem durante o deslocamento do carro.

Quando o freio ou o acelerador for totalmente aplicado, não restará grip suficiente para o pneu executar uma manobra para os lados. Caso o condutor insista na manobra a carga sobre os pneus vai ultrapassar os limites do grip. Seria como se as setas de ambos os eixos ultrapassassem a linha do círculo. O carro irá derrapar.

O excesso de carga sobre os pneus gera derrapagem e perda de controle do veículo. A carga excessiva sobre o pneu ultrapassa os limites do mesmo.

A forma mais segura de se contornar uma curva, é frear o veículo em linha reta, começar a girar o volante após sessar a frenagem e acelerar gradativamente para sair da curva conforme retorna o volante para posição reta. Em outras palavras balanceamos o grip do pneus entre os eixos longitudinal(aceleração e frenagem) e transversal(esterçando o volante). Balanceando as cargas no eixo longitudinal e lateral. Ou seja, freando e esterçando o volante ao mesmo tempo, porém sem exceder os limites de grip do pneu.

Ao se exceder os limites do círculo de fricção o veículo fica exposto a reações distintas. As mais conhecidas chamam-se Understeer (Substerço) e Oversteer (Sobresterço). O understeer ocorre quando esterçamos o volante e o carro não vira na mesma proporção, ou seja o carro tende a passar direto pela curva. Uma característica marcante do understeer, é o fato do condutor sentir a direção mais leve, e ao girar mais o volante, o veículo continua sem obedecer. No oversteer ocorre o contrário, o carro tende a dobrar mais do que o solicitado quando esterçamos o volante. O veículo tende a rodar sobre o próprio eixo. Para motoristas comuns sua correção é mais complicada, pois não é intuitiva. Para corrigir o understeer é necessário reduzir a velocidade do carro para que os pneus recuperem o grip e assim o carro possa contornar a curva. Para corrigir o oversteer é necessário esterçar o volante na direção contrária à curva, e acelerar. Deve ser feito de forma balanceada. Caso a aceleração seja maior que o esterçamento, o carro continuará a girar sobre o próprio eixo, e caso o esterçamento seja maior que a aceleração, o carro irá a dobrar para o lado oposto. Com a teoria do círculo de fricção fica muito fácil entender e aplicar essa teoria para dirigir com segurança. No entanto, quando se quer andar ainda mais rápido, por exemplo, em um track day ou um corrida de carros propriamente dita, a teoria do círculo de fricção é apenas o começo. Inicialmente, é muito complicado para quem está começando a explorar os limites do carro, e descobrir que andar sem derrapar nem sempre significa que você será mais rápido. Os pneus também devem estar em constante derrapagem… Agora complicou tudo não foi ?

No motorsports os pilotos sabem como gerenciar a carga sobre os pneus, eles também sabem que os pneus vencem a corrida. O diferencial de um motorista comum para um motorista habilidoso ou piloto, é que estes sabem que o grip é criado por uma leve derrapagem dos pneus em relação ao solo. Ao transferir uma grande potência sobre pneus, se essa potência fazer os pneus excederem os limites do grip, os pneus irão derrapar. Girar sem sair do lugar. Fenômeno conhecido como Wheelspin. A partir daí podemos ver que, se um pneu com uma circunferência de 1m girar e completar uma 1 volta, o pneu terá se deslocado 1m. No entanto, se o mesmo pneu girar a mesma uma volta e percorrer apenas 50cm, temos então uma derrapagem, de 50%. Esse valor é o que chamamos de Taxa de Derrapagem.

A taxa de derrapagem é o grau de derrapagem de um pneu. É a relação da distância percorrida pelo pneu e sua circunferência. O pneu exibe seu maior grip quando quando sua taxa de derrapagem gira em torno de 10-15%. Ao subir o grau de derrapagem, ultrapassando os 15% o grip do pneu cai consideravelmente. Motoristas habilidosos conseguem distinguir uma derrapada com taxa de 15% de uma com taxa acima de 15% pelo ruído feito pelos pneus. Vulgarmente falando, “quando os pneus cantam”. Até agora a taxa de derrapagem foi mencionada em movimentos longitudinais do pneu, ou seja, para frente e para trás. Devemos relembrar que o grip é único para todos os movimentos do pneu, e claro a taxa de derrapagem também vale para os movimentos laterais do pneu. Basicamente, ao assumir o volante de um veículo, você tem a certeza de que com um asfalto bom e pneus em ótimo estado, o carro vai virar o quanto você esterçar o volante. Mas acredite, ele não vai. Ao assistir uma corrida, se você prestar bastante atenção, você perceberá muitas vezes que o ângulo do carro em uma curva, não é tão grande quando o ângulo do quão esterçados os pneus dianteiros estão. Então existe uma diferença entre a direção na qual as rodas estão esterçadas e a direção na qual o carro está se deslocando. Essa diferença é chamada de Ângulo de Derrapagem.

A direção que o veículo está seguindo é diferente da direção na qual as rodas estão apontando. No entanto, essa diferença não pode ser maior que 10°, ou haverá uma considerável perda de grip.

O ângulo de derrapagem também está relacionado com o grip do pneus. Assim como a taxa de derrapagem, o ângulo a partir de determinados valores começa a prejudicar o grip dos pneus. Geralmente o ângulo de derrapagem no qual o grip tem seu valor mais alto é de 8 – 10°. Acima desses valores o pneu certamente irá perder grip. Por isso, é muito comum ver carros fazendo curvas em alta velocidade literalmente derrapando, e reparando nos pneus dianteiros, eles não tão esterçados assim como o carro está. É a chamada derrapada controlada, quando o carro derrapa com as quatro-rodas sem perder o controle e sem sair da sua trajetória.

Repare nesse MR2, ele está contornando uma curva fechada com o mínimo de derrapagem. Veja como o carro já está apontando para saída da curva, seguindo a trajetória da mesma, e os pneus dianteiros com o mínimo de esterçamento.

A condução de um carro é muito mais do que se aprende em auto-escola. Como é possível ver, o pneus determinam os limites do carro. Guiando com o círculo de fricção em mente, aos poucos você percebe que pode balancear o grip do pneus para movimentos longitudinais ou laterais. Embora o grip seja a capacidade de aderência do pneus com o solo, essa aderência é maior quando o pneu está em constante derrapagem(de 10-15%), e o ângulo de derrapagem na qual os pneus dianteiros desempenham a maior aderência está ligado a carga transferida para eles e a velocidade do carro. Não importa o quando você gire o volante, ou aplique mais força de frenagem, ou transfira mais potência para as rodas. Excedendo o limite de grip dos pneus, o carro vai derrapar e perder o controle. Guiar um veículo é gerenciar a transferência de carga fazendo-o derrapar na medida certa.